O início de qualquer atividade empresarial é inevitavelmente marcado por uma série de decisões jurídicas relevantes, cujo alinhamento prévio é indispensável à boa condução do empreendimento, especialmente quando as operações envolvem mais de um sócio. Entre essas decisões, uma das mais determinantes diz respeito à escolha do tipo societário que sustentará juridicamente a iniciativa econômica.
No Brasil, a sociedade limitada figura como a opção mais frequentemente adotada por sócios de empresas de pequeno e médio porte, em razão de sua estrutura relativamente simples e ampla aceitação prática. No entanto, essa preferência nem sempre decorre de uma avaliação técnica, sendo muitas vezes guiada por inércia ou desconhecimento dos desafios que esse modelo pode impor, sobretudo em cenários que envolvem a captação de investimentos externos.
Ainda que não se pretenda aqui discorrer sobre o tema, é necessário destacar que a sociedade limitada apresenta entraves relevantes à atração de capital. Entre eles, a insegurança jurídica gerada por interpretações fiscais restritivas, como no caso do ágio na subscrição de quotas, e o risco de que aportes financeiros alterem indevidamente a estrutura de controle e os direitos políticos dos sócios perante a sociedade.
É nesse contexto que a Sociedade em Conta de Participação (“SCP”) se destaca como uma alternativa jurídica eficaz e ainda subutilizada em muitos setores empresariais. Prevista nos arts. 991 a 996 do Código Civil, trata-se de uma estrutura contratual que oferece soluções pragmáticas para desafios como captação de recursos, proteção patrimonial e agilidade operacional.
A SCP é composta por dois polos: o sócio ostensivo, que atua diretamente na operação e se relaciona com terceiros; e o sócio participante (ou oculto), que permanece fora do radar do mercado, contribuindo com capital, expertise, tecnologia ou ativos estratégicos.
O sócio ostensivo pode ser uma pessoa física ou jurídica — inclusive uma sociedade limitada unipessoal — e responde integralmente pelas obrigações assumidas perante terceiros. Trata-se, portanto, do único ente visível aos olhos do mercado, assumindo a exposição jurídica e operacional da SCP. Em contrapartida, os sócios participantes não assumem qualquer responsabilidade perante credores, fornecedores ou entes fiscais e trabalhistas, limitando-se ao risco do negócio conforme estipulado contratualmente junto ao sócio ostensivo.
Do ponto de vista formal, a constituição da SCP prescinde de registro na Junta Comercial, bastando a celebração de contrato privado e a obtenção de CNPJ para fins fiscais. Essa simplicidade documental reduz o tempo e o custo de implementação, além de garantir maior confidencialidade sobre os termos da associação.
Do ponto de vista tributário, a SCP também apresenta vantagens relevantes. Os resultados podem ser distribuídos diretamente aos sócios a título de lucros, atualmente isentos de tributação adicional.
Outro diferencial central da SCP é sua ampla liberdade contratual. Ao contrário da sociedade limitada, cujo contrato social está sujeito a formalidades legais e à entendimentos jurisprudenciais por vezes contraditórios, o instrumento da SCP pode ser moldado com elevada elasticidade. Isso permite a inserção de cláusulas inovadoras para governança, metas de desempenho, auditoria, proteção contra diluição e outros mecanismos sofisticados de estruturação. Essa flexibilidade também facilita a gestão da entrada e saída de sócios. Cláusulas como opções de compra e venda, gatilhos de saída e acordos de liquidez podem ser livremente negociadas, evitando alterações formais e potenciais litígios que são comuns em outros tipos societários.
Importante destacar que a SCP não é um instituto restrito a grandes investidores ou operações complexas. Ao contrário, é especialmente recomendável em contextos como:
- Empreendimentos imobiliários e consórcios de investimento, que demandam discrição e agilidade na alocação de capital;
- Projetos familiares e de gestão patrimonial, que permitem a participação de membros sem envolvimento direto na operação;
- Empresas em reestruturação ou recuperação, onde novos aportes são necessários sem modificação do controle societário;
- Operações sujeitas a elevada exposição pública ou regulatória, como contratos com o poder público ou startups em fase inicial.
Por outro lado, o modelo societário da SCP não está isento de riscos. Em precedentes emblemáticos, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) adotou entendimento restritivo quanto à natureza jurídica dos valores pagos a sócios participantes que simultaneamente prestam serviços ao sócio ostensivo[1] — como nos casos em que um médico sócio participante presta serviços ao hospital administrado pelo sócio ostensivo. Nessas situações, o Fisco tem entendido que tais pagamentos configuram remuneração por prestação de serviços, sujeitando-os à tributação pelo Imposto de Renda Retido (IRRF). Essa interpretação, embora juridicamente questionável, baseia-se na análise da substância econômica da relação, privilegiando a realidade dos fatos em detrimento da forma contratual. Trata-se, portanto, de alerta para a necessidade de criteriosa estruturação contratual quando da constituição da SCP.
Ainda com tal desafio, é possível afirmar que a Sociedade em Conta de Participação (SCP) se revela uma alternativa jurídica moderna, versátil e altamente estratégica, especialmente para negócios que exigem flexibilidade, segurança jurídica, eficiência fiscal e proteção patrimonial.
Em síntese, destacam-se como principais vantagens da SCP:
- Simplicidade de constituição – dispensa registro na Junta Comercial, sendo formalizada por meio de contrato privado e inscrição no CNPJ para fins fiscais;
- Confidencialidade – apenas o sócio ostensivo se relaciona com terceiros, preservando a identidade e a participação dos sócios ocultos;
- Proteção patrimonial – os sócios participantes não respondem perante credores ou entes reguladores, limitando-se ao risco do negócio nos termos do contrato;
- Eficiência fiscal – possibilita a distribuição de lucros aos sócios participantes sem incidência de tributação adicional, desde que observados os requisitos legais;
- Ampla liberdade contratual – permite a criação de instrumentos societários personalizados, com cláusulas de governança, metas, auditoria, liquidez e proteção contra diluição;
- Facilidade de ingresso e retirada de sócios – a estrutura contratual permite a negociação de cláusulas específicas para entrada e saída de participantes, sem necessidade de alterações formais complexas;
- Liquidação simplificada – a extinção da SCP ocorre mediante prestação de contas pelo sócio ostensivo, conforme previsão do art. 996 Código Civil, dispensando procedimentos formais típicos e mais morosos de outros tipos societários.
Diante do exposto, a Sociedade em Conta de Participação (SCP) merece ser considerada com atenção por empreendedores e investidores que buscam estruturas jurídicas alinhadas às dinâmicas contemporâneas dos negócios. Sua adoção, no entanto, exige análise técnica criteriosa e sensibilidade estratégica quanto aos objetivos do empreendimento, sob pena de comprometer seus benefícios.
Bem por isso, é altamente recomendável que sua implementação, seja na constituição de novos projetos ou na reestruturação de operações existentes, conte com o acompanhamento de assessoria jurídica especializada, capaz de desenhar soluções sob medida e assegurar a plena aderência normativa, contratual e tributária do modelo. Mais do que uma alternativa, a SCP pode ser a chave para estruturar negócios com inteligência, discrição e solidez.
[1] SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DOS RENDIMENTOS PAGOS AOS SÓCIOS. SIMULAÇÃO. MULTA AGRAVADA. As Sociedades em Conta de Participação estão regidas pelas disposições específicas do Código Civil; dentre as quais há a proibição de os sócios participantes prestarem serviços em nome da Sociedade em Conta de Participação. Se os sócios participantes da conta participação prestam serviços ao sócio ostensivo, os valores pagos por decorrência desses contratos devem ser classificados segundo a sua efetiva natureza jurídica: rendimentos tributáveis de prestação de serviços, e não lucros isentos do Imposto de Renda. Presente a simulação, é devida a multa agravada, em percentual de 150%. (CARF, Processo nº 11080.726417/2012-11, 2º Seção de Julgamento, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária. J. em 11/05/2023)