Ao longo do tempo, as razões que levaram a constituição de uma sociedade empresária podem mudar e, com isso, a relação entre os sócios que, no início eram harmônicas, podem se tornar desafiadoras. Além disso, um cenário bastante comum nas sociedades limitadas pluripessoais é de que fatores alheios à própria atividade empresarial podem levar um ou mais sócios a se retirarem da sociedade.
Por isso, este artigo visa esclarecer os principais aspectos legais e práticos da retirada de sócios, com foco em demonstrar como uma assessoria jurídica especializada pode prevenir problemas e garantir uma transição equilibrada para todos os envolvidos no negócio.
Diferenças Entre Retirada, Cessão de Quotas e Exclusão de Sócios
A retirada envolve a saída voluntária de um sócio resultando na redução patrimonial da empresa, uma vez que ele recebe o valor correspondente à sua participação societária. Na cessão de quotas o sócio transfere sua participação para outra pessoa, sem impactar diretamente o patrimônio da sociedade. E, a exclusão de sócios ocorre de forma coercitiva, normalmente em razão de uma violação dos deveres sociais.
No caso da retirada, é garantido ao sócio o direito de sair da sociedade, assegurado pelo Código Civil no artigo 1.029, que dispõe:
“Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”
Essa possibilidade de retirada é uma das características mais importantes de uma sociedade limitada, especialmente quando não há prazo determinado para a duração da empresa. No entanto, os sócios devem sempre atentar para o impacto financeiro e operacional da saída.
Apuração de Haveres: Como Determinar o Valor da Quota do Sócio Retirante
A apuração de haveres é um ponto crítico na retirada de sócios, pois define o valor das quotas a ser pago ao sócio retirante. O Código Civil, em seu artigo 1.031, determina que essa apuração deve ser realizada com base na situação patrimonial da sociedade no momento da resolução em relação ao sócio. Entretanto, a definição do valor justo das quotas envolve diferentes métodos e pode variar conforme a atividade da empresa.
Método do Balanço Patrimonial: A Regra Geral
A regra geral para apuração de haveres nas sociedades limitadas é o balanço patrimonial especialmente levantado. Esse balanço reflete a situação contábil da empresa na data da retirada do sócio, incluindo os ativos, passivos, e o valor patrimonial líquido.
Contudo, o balanço patrimonial, por ser uma visão contábil da empresa, pode não refletir de maneira completa o valor de mercado dos ativos da sociedade. Muitas vezes os valores contábeis não estão atualizados conforme o valor real dos bens, o que pode gerar distorções, especialmente em sociedades que possuem imóveis, marcas ou outros ativos intangíveis de alto valor.
Dessa forma, se a sociedade tem uma estrutura de ativos significativa ou intangíveis valiosos, como tecnologia, marcas ou patentes, o valor contábil pode não ser o método ideal. Nesse caso, um método de avaliação alternativo pode ser mais adequado para garantir que a apuração dos haveres seja justa para ambas as partes.
Métodos Alternativos: Valor de Mercado e Fluxo de Caixa Descontado
Além do balanço patrimonial, existem métodos alternativos de apuração de haveres que podem ser mais apropriados dependendo das particularidades da empresa. Os dois principais métodos são os múltiplos de mercado e o fluxo de caixa descontado.
- Múltiplos de Mercado: Nesse método, o valor das quotas do sócio retirante é calculado com base nos múltiplos de mercado que se aplicam a empresas semelhantes no setor. Isso envolve analisar empresas que operam em condições similares e utilizar indicadores como preço/lucro (P/L), preço/vendas (P/V), ou preço/EBITDA para determinar um valor de referência. Este método tende a ser mais justo em sociedades cujos bens e direitos sofreram grande valorização, como imóveis ou propriedade intelectual. A utilização de múltiplos de mercado permite uma avaliação que se aproxima da percepção do investidor sobre o valor da empresa, proporcionando uma visão mais precisa do patrimônio.
- Fluxo de Caixa Descontado (FCD): Outro método amplamente utilizado, especialmente em empresas de grande porte ou com fluxo de caixa previsível, é o fluxo de caixa descontado. Nesse caso, o valor das quotas é calculado com base na expectativa futura de geração de caixa da sociedade. Esse método reflete o potencial de geração de lucro futuro e pode ser uma solução mais interessante para empresas em crescimento ou com forte projeção de lucro. Ele é especialmente recomendado em empresas que têm alto potencial de expansão, pois o valor da sociedade não se limita aos ativos tangíveis, mas também inclui a capacidade de gerar receitas futuras.
A Importância do Contrato Social
O contrato social deve estabelecer claramente qual método será utilizado para a apuração de haveres em caso de retirada. Embora o balanço patrimonial seja a regra geral prevista em lei, os sócios podem optar por um dos métodos alternativos se julgarem mais adequado à natureza do negócio.
Um contrato social que prevê um método flexível de apuração pode evitar longos litígios, permitindo que o método de avaliação se ajuste às condições econômicas do momento ou à evolução patrimonial da sociedade. Além disso, é crucial que o contrato estabeleça prazos para o levantamento do balanço e para o pagamento das quotas, a fim de evitar a descapitalização imediata da empresa.
Formas de Pagamento dos Haveres
Outro ponto de extrema importância é a forma de pagamento dos haveres. O Código Civil prevê o pagamento em dinheiro no prazo de até noventa dias após a liquidação, salvo acordo em contrário. Contudo, em muitas situações, o pagamento à vista pode ser inviável, especialmente se a retirada ocorrer em momentos de crise financeira.
O contrato social pode prever a possibilidade de parcelamento ou até mesmo a compensação com bens da sociedade, evitando que a saída de um sócio retire uma grande quantidade de capital da empresa de forma abrupta. Essas medidas protegem tanto o sócio retirante, que recebe seu quinhão de forma justa, quanto a sociedade, que não sofre com a descapitalização repentina.
Nesses casos, a assessoria jurídica preventiva é essencial para evitar que a retirada de um sócio cause um impacto desproporcional ao caixa da empresa. Uma boa estratégia é incluir cláusulas que permitam o parcelamento do valor devido ao sócio retirante ou a utilização de outros ativos além do dinheiro, como bens ou direitos, para minimizar a descapitalização imediata da empresa.
Jurisprudência e Debates Doutrinários
A retirada de sócios em sociedades limitadas tem gerado debates tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Questões como a possibilidade de o sócio retirante exigir a apuração de haveres com base em um método específico ou a validade de cláusulas contratuais que limitem o exercício desse direito são constantemente discutidas nos tribunais.
Inclusive, a própria retirada imotivada é questão que gera polêmica, de modo que foi a partir do julgamento do Recurso Especial nº 1.839.078/SP, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se decidiu pela aplicabilidade do artigo 1.029 do Código Civil às sociedades limitadas.
Além disso, é importante destacar que, mesmo que a legislação seja clara, muitas vezes as especificidades do contrato social podem alterar significativamente o desfecho de uma retirada, reforçando a necessidade de uma assessoria jurídica desde a formação da sociedade até a resolução de conflitos.
Conclusão: A Necessidade de Planejamento e Assessoria Jurídica
A retirada de sócio é um processo legalmente previsto, mas que exige cautela e planejamento para ser conduzido de forma justa e equilibrada. A elaboração de um contrato social robusto, que contemple cláusulas claras sobre apuração de haveres e formas de pagamento, é um dos principais instrumentos para prevenir litígios e assegurar a continuidade saudável da empresa.
Uma assessoria jurídica especializada pode ajudar a empresa a tomar decisões estratégicas que minimizem o impacto da retirada sobre a sociedade e evitem que esse processo cause uma crise financeira ou prejudique o relacionamento entre os sócios remanescentes. Além disso, essa assessoria é crucial para interpretar corretamente a legislação e a jurisprudência aplicáveis, garantindo que os direitos de todas as partes envolvidas sejam respeitados.